Ayahuasca e as desinformações do sagrado

“meu próprio e verdadeiro ser interior realmente existe em toda criatura viva…(e) é o fundamento dessa compaixão (Mitleid) sobre a qual repousa toda virtude autêntica, isto é, altruísta, e cuja expressão se acha em toda ação benéfica.”

Schopenhauer

Antes de mais nada é preciso definir alguns pressupostos para falar de espiritualidade. Existem muitos usos dessa palavra mas vou defini-la como a sua forma de experimentar a verdade última do universo, o sentido fundamental.

Assim, os pressupostos dessa definição implicam em ser uma vivência dessa verdade, uma experiência última, que dá sentido e orienta sua ação no mundo e os decorrentes resultados.

Não confundindo então com qualquer visão religiosa, de credo, de crença ou de qualquer panteão místico ou de santos de qualquer tradição. Radicalmente assim, somos todos espirituais, todos temos uma intuição direta sobre o mundo, mesmo que encoberta de repetições de gestos, rituais, palavras e símbolos que não correspondem a essa visão originaria.

Intenção: a minha intenção a escrever esse texto é compartilhar o desenvolvimento cognitivo e mais compassivo que tive para que possa comunicar de forma gentil e ao mesmo tempo precisa o resultado de pesquisas pessoais que começaram em 1994.

Pesquisa: a pesquisa que relato foi bebendo ayahuasca desde a juventude em mais de 7 linhas diferentes de rituais e embora eles guardem muitas diferenças, quero falar das generalidades, e que assim, possa talvez, ajudar ao maior número de pessoas da melhor forma possível.

Esse texto é dirigido à rede de amigos e pessoas ligadas ao meu “grupo-karma”, aos familiares espirituais, aos amigos evolutivos, tentando amplificar com a razão, uma compreensão espiritual e parapsíquica que aumente o discernimento, a visão global e integral.

A maior e mais profunda contradição que vejo, sendo direto, é que nos grupos ayahuasqueiros as pessoas sofrem de alguns males profundos, entre eles:

dificuldades de lidar com o mundo, estar no mundo, ter realizações pessoais em todos os níveis: estudo, produção escrita e intelectual, trabalho, sustentabilidade emocional e financeira, falta de pé no chão.

formação de seitas, grupos dentro de outros grupos, “panelinhas” que excluem os que pensam diferente, o que é típico de todas as seitas e presente nos grupos religiosos minoritários em geral. Verdade aqui é a verdade de estar no grupo, quem está fora está “perdido”, dizem as doutrinas.

milenarismo, ou 2012zismo, a crença de que o mundo vai acabar, que tudo vai mal e que tendem a piorar com o tempo, uma visão narcisista de que faz com que apenas os “escolhidos” serão salvos, não muito distante da crença dos cristãos dos primeiros séculos de que o mundo acabar.

narcisismo, se sentir superior por experimentar estados não-comuns de consciência, mas que não se dá no dia-a-dia, somente enquanto bebe a substância exógena, sem qualquer preocupação com a transformação pessoal e auto-superação.

– e por fim, a estagnação, não há transformação real, embora muitas catarses emocionais, existe pouco avanço em termos de desenvolvimento de um pensamento mais inclusivo, mais acolhedor das diferenças e da compreensão dos processos evolutivos da vida.

Mas muitos grupos religiosos tem isso mesmo em comum, o que então é o mais sério?

O mais grave é a falta de um trabalho assistencial, de esclarecimento, estudo e transformação pessoal, desenvolvimento e evolução a níveis e patamares de consciência mais elevados, ou seja, mais compassivos e inclusivos.

PONTOS POSITIVOS

Iniciação: O chá pode ter um caráter iniciático em experiências multidimensionais, mas se o sujeito já tem algum tipo de parapsiquismo, a ingestão de DMT, uma substância produzida naturalmente no cérebro em estados de meditação profunda, serve apenas como um “dopping parapsiquico” que o sujeito tem a impressão de viver uma experiência “profunda” mas ele não corresponde ao trabalho “muscular”, o esforço para chegar a ter essas experiências de forma integrada.

Esquecimento e onirismo: tal como um sonho, que acontece numa frequência de onda diferente, não são fáceis de lembrar e serem elaborados e integrados no dia-a-dia, assim, em geral há um grande descompasso entre o efeito do chá e depois que o efeito passou. Assim, tal como um sonho não registrado, é esquecido, e todo o esforço se perde.

Pesquisas: as pesquisas científicas com DMT poderão chegar a uma dose ideal, com indicadores somáticos que podem levar a um uso positivo da substância para diversos efeitos no futuro, antidepressivo e até mesmo potencializador do parapsiquismo, hoje, no seu uso religioso e místico, acaba atrapalhando mais do ajudando.

PROBLEMAS GRAVÍSSIMOS

Tráfico de Drogas: a bebida é vendida para diversos paises do mundo, diversos “turistas espirituais”, cobram e vem beber o chá no Brasil e os lucros são mais do exorbitantes.

Trabalho escravo: produtores no norte do país trabalham sob influência religiosa e o ciclo de produção o chá foi considerado por antropóloga pesquisadora como um ciclo de produção escravo. Outros tem verdadeiras produções industriais da bebida.

Brigas entre as linhas: a disputa pelo mercado religioso do chá acontece de todos os lados, com acusações graves de todos os lados, mostrando a desunião e a falta de compaixão e compreensão que as seitas geralmente guardam entre si.

Mistura com drogas: não raro, o uso de cocaína, crack e maconha dentro de alguns grupos é totalmente tolerado e até incentivado em hinos e cerimônias.

Fanatismo: o fanatismo é a cegueira opcional, é a auto-prisão, a incapacidade de olhar para os próprias ideas e perceber que são relativas, que são transitórias, que seguimos aprendendo e evoluindo infinitamente, transcendendo e incluindo o que aprendemos no nível anterior. Andam junto com o fanatismo: a gurulatria, a idolatria de lideranças e a idealização de pessoas, ignorando os aspectos negativos com perda de visão crítica e de bom senso.

Se alguém que bebe e freqüenta as religiões ayahuasqueiras discorda ou tem algo a acrescentar a essa reflexão, se conseguir de maneira a contribuir com o esclarecimento, autonomia, discernimento, lucidez, prática pessoal e vivência espiritual legítima (autogênica), sem “dopping “, por favor, deixe um comentário.

Em geral muita gente jovem, sensível e em busca de desenvolvimento pessoal, perde tempo e energia em busca de uma ilusão. Ilusão por não ser uma conquista dos próprios esforços de desenvolver compaixão e contribuir para uma visão mais acolhedora de todas as verdades parciais de si e do mundo.

Note que acredito que as pesquisas podem um dia permitir a utilização positiva da DMT, até agora, o que vemos são “viagens”, uma visão alienante de um estado de consciência que não é sustentável, por não facilitar subir degrau por degrau os caminhos do desenvolvimento cognitivo, parapsíquico, espiritual e emocional e interpessoal das nossas múltiplas inteligências.

Por fim, a síntese é a distinção importante entre o estado alterado de consciência, que o chá, a respiração, o jejum, ou outras práticas permitem, mas que não corresponde a um estágio mais elevado de consciência, ou seja, uma conquista permanente que enfrente a questão da assistência ao maior número de pessoas com o maior grau de lucidez e consciência.

Bibliografia:

Wilber, Ken – o espectro da consciência

Strassmen, Rick – DMT: The Spirit Molecule: A Doctor’s Revolutionary Research into the Biology of Near-Death and Mystical Experiences

Walsh, Roger – Higher Wisdom: Eminent Elders Explore the Continuing Impact of Psychedelics

10 comentários em “Ayahuasca e as desinformações do sagrado”

  1. nossa, são muitas informações! vou pensar mais sobre isso. nunca experimentei o chá, mas vinha pensando em ter essa experiência. foi bacana ter acesso a essa dimensão das coisas!
    fico aqui pensando que isso que vc destacou nesses grupos é uma questão crônica de todas as religiões! o ser humano precisa ritualizar as coisas para torná-las sagradas. e a gente vem acompanhando como isso acaba por afastá-lo de uma espiritualidade. dessa espiritualidade que vc definiu no teu texto acima.
    acho que só mesmo se debruçando sobre todo esse aparato para podermos alcançar nossa conexão com a fonte, ou com nós mesmos.
    obrigada por compartilhar tuas impressões sobre esse universo, mario!
    se cuide!

  2. Mariana Almeida

    Boa Noite! Bom, quero começar dizendo que o que posto agora é uma visão pessoal, não discordando então, do que foi dito nesses tópicos, porque são fatos reais, porém, enxergo que tudo depende da busca de cada um, da casa onde se frequenta, do pé no chão ao escolher esse instrumento, da entrega a essa escolha. O trabalho é individual e cada interagente com essa doutrina terá uma forma única de se desenvolver perante ela. Acho válido o estudo antes/durante esse passo, a busca por informações, o cuidado para não se perder e sair do chão. A vida é aqui e agora. É importante estar consciente disso. Não concordo quando diz que passado o efeito, tudo é esquecido e o esforço se perde, já que enxergo que o trabalho se é dado justamento depois, quando lúcido, no seu dia-a-dia, enxergando somente você e você mesmo os ensinamentos e aprendizados passados durante os trabalhos. O perigo mora quando se esquece que o trabalho é a sua própria vida e, não aquele momento em que estamos sobre o efeito da Ayahuasca. É aí que o pé firma no chão! A idéia não é ir para um mundo remoto (se não seria uma droga!), a idéia é firmar aqui e agora.
    Assim como existem todos esses problemas gravíssimos, existem também grandes ganhos (sem perdas) nesse nosso meio. É ai que entra a importância da informação na hora da escolha de onde comungar. Sou a favor mesmo que cada vez mais estejamos em alerta em relação a essas questões, nós que comungamos, os que se interessam em comungar, os que já comungaram e, lembrando, podendo informar os 2 lados da moeda. É necessário esse cuidado,essa responsabilidade com quem comunga (ficha de anamnese, por exemplo) e eu a vejo ao meu lado nas casas onde frequento. Ótimo seria se acontecesse em todos os centros, mas se ainda não é, vamos nós ajudar nessa alerta. Agradeço o espaço, grande abraço a todos.

  3. Boa Tarde! Eu concordo com tudo que esta sendo pesquisado e concluído até aqui, mas alerto que existem lugares bons e que nestes lugares é informado com clareza o que se espera dessa TERAPIA SAGRADA e nestes lugares somos instruídos a manter nossa PRESENÇA, manter nossos pés no chão … e depois somos muito bem orientados a aproveitar todas as experiências “Mirações” e ensinamentos no nosso dia-dia. Por isso estou utilizando TERAPIA SAGRADA, pois é só assim que consigo um termo bem claro e abrangente como precisa ser. Mas claro, o que foi comentado dentro da pesquisa, eu mesmo passei por vários lugares e concordo com o que foi falado e alertado sim. Mas aqueles que querem e estão acreditando que existe algo muito mais profundo … continuem procurando, vai chegar um momento que irão encontrar o caminho como eu e muitos outros encontraram.

    Que todos sejam felizes, ditosos e vivam em plena paz !!!

    1. Olá Miguel, grato pela sua contribuição. Concordo justamente que dentro de certas condições não religiosas e sim terapeutas o chá pode ajudar. Mas isso, sabemos, raramente acontece.

      1. Yuri Vasconcelos

        Em Brasilia dos 4 lugares qeu conheço nao observei os pontos negativos que indicastes senão em casos isolados!
        Me parece um certo exagero ja que sao rituais quinzenais em quase todos os casos.
        Ou seja, a vida depois estara aberta para nos imiscuirmos do divino que habita em nos, trablhar, enfim,viver.
        è tb como meditaççao, se meditas regularmente, colheras beneficios mentais e emocionais. Ha ayuhausca em estudos cientificos somente constatou efeitos beneficos nos praticantes.

        Ha comunidade smais isoladas que ”aparentam viver pra isso”, mas iso é nada masi que interpretação: va em comnuidades rurasi que naopraticam ayhasca – estarao vivendo rpa poucas coisa tambem, as vezes ate mesmo para ALCCOL e outras drogas!
        Repense e veja se não estou certo quanto a este ultimo ponto…
        obg pelo blog, gostei

        Ah sim:Acho improtante frizarmos a segurnaça que deve ter com pesoas com problemas cardiacos e historico de esquizofrenia ao comungar com o DMT presente na ayuhasca ( principio ativo dela).

  4. Cheguei até seu blog porque uma amiga compartilhou o link de “sintomas da paz interior”. Li e senti meu coração cheio de gratidão por poder sentir todos esses sentimentos tantas vezes dentro de mim. Essa gratidão vem muito do daime, do qual faço parte há 6 anos, e que posso dizer que mudou minha forma de ver, entender e viver a vida. Sei que os problemas relatados por você existem, mas sinto que eles vem da imperfeição do ser humano, e não do daime nem das religiões. Nós é que distorcemos e nem sempre absorvemos os ensinamentos como deveríamos. Também acho que “dentro dessa casa tem tudo que procurar”. Tem de tudo. Mas também tem muita força, muita união, muita ajuda mútua e compreensão. Quem fica lá de coração aberto encontra Deus, encontra um conforto, encontra esse caminho de transformação, de autoconhecimento. Encontra a força de viver, sem que isso seja artificial e raso, muito pelo contrário, despertando dentro de nós o que mais temos de verdadeiro.

    Grande abraço!

  5. A meu ver um dos maiores problemas da ayahuasca é a criação de uma dependência à substâncias externas para viver o divino interno. Cria-se um apego material para conseguir acessar algo imaterial, quando a prática de auto-observação, a meditação contemplativa, e a busca por sabedoria já fazem isso sem a necessidade de artifícios.
    Porém o "divino" acessado pela ayahuasca é falso, pois distorce o etérico e força o astral da pessoa, apenas revirando de debaixo do tapete conteúdos emocionais que estavam guardados e fomentando mais ainda a auto-ilusão e a fantasia. Drogas (pois o chá é uma droga e causa reações quimicas danosas no cerebro como qualquer outra droga) forçam as energias da pessoa de forma anti-natural, irrompe barreiras que pela sanidade e saúde da pessoa estavam devidamente fechadas, e dá espaço para perturbações psiquicas e astralismo baixo.
    Diversas tradições ensinam que o "divino" não está nas regiões baixas do astral, que o plano astral é tão ilusório e carregado de enganações e coisas negativas quanto o plano material, e ninguém se torna mais espiritualizado porque arrombou suas janelas para o astral e ficou perdido em devaneios de energias enganadoras, e suas proprias fantasias.. a droga não tras mais virtude ou mais sabedoria, apenas reforça os estados internos da pessoa.
    A clarividência e as verdadeiras experiências vêem naturalmente com o desenvolvimento interno. Veículos despreparados, ainda carregados de desarmonias, vicios, fantasias e impurezas, só se tornam piores com o uso desse tipo de droga.
    É o que eu acho.. resumidamente

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