Bhakti e Ananda – A Devoção Amorosa e a Bem-Aventurança

Meu primeiro contato com Bhakti (ou prática devocional) foi nos Estados Unidos. Morei lá e vivenciei na juventude o movimento gospel americano quando cantávamos todos os dias pela manhã cantigas de devoção e doçuras divinas, de bem-aventurança, de êxtase perante o divino. Jesus era o grande mestre, rei dos reis, a imagem de amor de alegria de perdão, de brilho e transbordamento e na juventude foi uma grande converssão.

Atualmente, eu faço  uma prática diferente dessa prática devocional. Tenho feito práticas  de meditação budista, especialmente zen e budismo tibetano, tenho feito práticas em busca da não-dualidade, de um sujeito sem objeto, de um sujeito que nega os objetos para encontrar o espaço infinito onde tudo emerge que é o próprio espírito.

Assim, nessa perspectiva, eu-eu, essa busca interna que na India se expressa na tradição de Shankara divide muitos caminhos filosóficos que tento sintetizar aqui. Pois não se trata de uma prática teísta a prática meditativa, e se há de alguém descobrir Deus, esse Deus, esse “D+eus” somos nós mesmos, além de qualquer identificação.

Do outro lado, temos o Gita com a doçura e misericórdia de Krishna, na luz dourada de Goranga, na personificação do amor que acolhe toda a sombra e mergulha tudo no seu êxtase divino de primores, formosuras e ananda.

Essa última relação com o Divino é uma relação Eu-Tu, onde somos convidados a estabelecer uma relação amorosa com o divino. Tal como na tradição cristã, onde Teresa d´Avila nos fala da possibilidade de estabelecermos um casamento. Onde o mais nobre quarto das suas moradas, do seu castelo interior é o quarto de núpcias, onde nos encontramos numa relação amorosa de abertura para o outro para o Bem-amado.

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Infelizmente nas tradições os que estabelecem uma relação eu-tu com Deus são considerados ilusórios e projetivos. Diz o ditado zen: ” se você encontrar Buda no seu caminho, mate-o”, para que possa nascer dentro de você. Então se uma presença luminosa de Deus chega à sua consciência ela deve ser desidentificada, “assassinada”, para que nasça dentro de você. Assim na índia o caminho budista é considerado um caminho ateísta. E de certa forma é verdade também, relatvia, mas também verdade.

Assim, como aprendi que está todo mundo certo eu tento integrar essas dimensões o que quase me leva a loucura, mas eu sou teimoso! Pois para alguém estar totalmente errado é preciso estar muito certo.

Voltando a falar de Bhakti, meu segundo grande encontro devocional foi com os discípulos de Sai Baba, cantávamos bajans, às vezes por 24h e era um tremendo êxtase, cantava e tocava violão e tabla. As práticas devocionais desse período foram as que tiveram o maior impacto na minha vida, foi o momento que mais me transformei, ou seja nessa relação devocional com o o Divino e suas personificações, tinha uns 18 anos nessa época.

Percebidas essas diferenças, eu confio e sinto profundamente no meu coração e na minha sabedoria que o caminho da meditação, eu-eu. e o caminho de bhakti. eu-tu. são complementares. São formas de estabelecer relação (real-ação) com o divino.

Ontem, estive no Templo de Gora Nitai em Teresópolis. Ao chegar lá para surpresa encontrai um grupo de niteroienses que visitava. Eu me sentei e praticando minha meditação de abrir espaço tentei manter a alegria e o desapego de sempre na tal prática budista. Mas depois de muitas histórias e de prática de Yoga depois do Satsang, abriram-se as cortinas das Deidades e começaram os kirtans (cânticos devocionais).

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Goranga se manifestou então na sua qualidade mais pura, é uma manifestação da divindade na sua forma mais abrangente, mais amorosa, mais misericordiosa, na sua radiância dourada em todas as direções convidando a todos para ser acolhido nesse amor. Claro que mesmo se eu fosse um grande poeta não poderia descrever a luz e a alegria desse encontro.

Aos poucos a energia do pequeno templo, comparado com seu vizinho Vrajabuhmi inundou meu coração. Lágrimas correram e desceram pela minha face e também pela minha alma.

Correntes em espirais de Ananda subiram pelo meu corpo enquanto era tomado de êxtase nos mantrans entoados com tanta devoção.

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Depois do grupo de Niterói se despedir, tomei um banho como no rio (Ganges) inundado daquele amor e êxtase, inundado de incertezas perante esse caminho devocional que andava esquecido nas minhas práticas supliquei pelo divino em minha vida. Em seguida coloquei-me a conversar com o “Guru” (literalmente aquele que te leva das trevas para a luz) e recebi naqueles instantes a transmissão silenciosa de várias sínteses. Do budismo zen ao cristianismo sob a luz abrangente da tradição Vaishnava. Do mistério da trindade e a filiação, dessa posição de filho de Deus, dessa posição de devoto de Deus dessa posição “di-amante” de Deus.

A noite se seguiu com tantas conversas maravilhosas que meu corpo ardia de energias que mal consegui dormir. Ao acordar fiz uma mini=saudação ao sol enquanto ele nascia e fomos filmar um vídeo de Yoga na fazenda Vrajabumi para compor as práticas integrais do instituto multiversidade. Não sou um praticante de Yoga ou iniciado ou religioso de toda sorte. Mas percebo os benefícios da prática apoiada na sua tradição e de como querendo construir uma formação para que as pessoas encontrem seu Sadahna, seu caminho de práticas, é importante essa aliança com uma linhagem de transmissão de conhecimento espiritual.

Em Vrajabumi o ambiente é maravilhoso, o templo lindíssimo, e a adoração dos Devotos, as prostrações as  oferendas e leitura do Gita, A MARAVILHOSA PRASADA dos “Hare Krishna” e muito amor que o ar e os alimentos irradiavam luz.

Bem, o que eu quero deixar aqui registrado nesse blog é que pra mim, redescobrir a alegria dessa relação amorosa com Deus é tão especial, sinto um alívio tão grande, uma confiança tão grande na vida, nas pessoas e um amor transbordante por todos que me cercam. Espero ter podido convocar um pouco dessa relação amorosa contigo.

Assim, Bhakti e Ananda, a entrega ao outro e as graças recebidas são assim, amor irradiante em todas as direções. Hoje disse para uma amiga, estou enamorado e em seguida esclareci que era por Krishna.

Eu resumo, se encontrar Deus na sua frente, mate-o, para que ele possa nascer dentro de você. E mais importante, se encontrar deus dentro de você e não suportar, projete-o para fora, e estabeleça com ele uma relação amorosa. O universo inteiro vai se converter em Ananda.

Dedicado a Gopinata Prabu todos os meus agradecimentos por esse final de semana muito auspicioso. E os presente de poder estar junto durante essa celebração.

E ao mundo” verde-amarelo” depois de tantas conversas sobre a dinâmica da espiral.

About The Author

Mario Fialho

Mário Fialho é pai do Miguel Luz, professor na multiversidade, clínica e escola em Niterói. Vive dedicado a escrever, ensinar e a cuidar de tudo que é bom, belo e verdadeiro com simplicidade. E agradece a sua visita.