Amar se aprende amando.
C.Drummond
Viver se aprende vivendo. O que as tradições de todos os povos nos convidam é mais do que simplesmente “deixar a vida nos levarâ€, é a uma conversão de nossas vidas num espaço de prática, mas o que é uma prática?
Uma prática é um exercÃcio perene, um esforço de transcender e incluir os limites atuais, um movimento consciente, uma intenção de abertura, de refinamento; tal como os escultores que formavam da pedra bruta sua arte, de talhar a vida em formas mais e mais harmoniosas.
Através de exercÃcio de limites, de resistências, de disciplinas, tanto quanto de soltar-se, relaxar, chutar o balde, a “prática” ajuda e revela-se quando nos tornamos aliados de nós mesmos e dos que estão junto de nós.
Curtindo cada pequeno novo passo do caminhar; o saborear de cada alimento preparado; cada sentido novo incorporado; cada palavra nova pra descrever o mundo e falar do espÃrito e deixar falar o mundo. Cada vez, que de forma mais ampla, o amor nos visita e amplifica nossos horizontes. Praticar é fundamentalmente uma prática de amar, pois o amor é o que tudo reúne, tudo acolhe, tudo transcende, é a dinâmica da Vida na vida, o movimento que conspira pela saúde de todo o sistema o paradoxo de estar-se preso por vontade.
Aprendemos tal como ensinavam os antigos chineses que mais importante do que o ponto de chegada o caminho é que importa. Pouco sabemos do amanhã, por isso, observar o movimento dos fluxos e correntes da vida são tão importantes, afinal estamos todos juntos na dança.
Evolução nesse sentido é duplo movimento: É ao mesmo tempo um impulso de baixo pra cima, de nos colocar de pé firmes sobre o chão, sobre cada osso que nos sustenta, que nos permitem sustentar o olhar para o Mundo mais amplo e de corações mais abertos. Em outro sentido, igualmente importante, evolução é um impulso de cima pra baixo, dos nossos sonhos aos nossos pés-no-chão, da nossa visão de futuro às mãos-operosas do dia-a-dia. Desde as formas e brilho das estrelas aos brilhos dos nossos olhos e ao mistério do Cosmos ao mistério do Outro.
A Vida como uma Prática nos faz gostar de todos os aspectos do viver e convertê-la numa arte de viver integral. Assim, dormir bem é uma arte, sonhar é uma arte, se alimentar de forma consciente, abençoar saudando o dia que começa, respirar, silenciar, falar, mover-se, amar, deixar-se amar. São pequenos hábitos, às vezes pequenos movimentos internos, uma frase justa, uma ideia nova, um movimento pode revolucionar tudo, pois tudo se relaciona com tudo.
A PRATICA NOS LEMBRA AS TRADIÇÕES TEM PELO MENOS QUATRO DIMENTÕES FUNDAMENTAIS: CORPO, MENTE, ESPÃRITO E INCONSCIENTE
Corpo correndo a sentir suor e pulsar do coração, sentir a firmeza dos músculos e o relaxamento que se segue também depois do movimento, a dança da sÃstole e diástole, a dança do dia e da noite, do feminino e do masculino. Mente em contemplação dos universos interiores, ligado na fonte de todo saber, intuindo o movimento, encontrando as palavras mais próprias para que traduzir o belo em verdadeiro, o bom em justo, o verdadeiro em belo, o bom em belo, o verdadeiro em bom. EspÃrito animado, entusiasmado, brilhando e harmonizando todo intelecto, todo corpo, fonte de toda a vida que nos chega, ordenador de todos os ritmos. Sombra na disposição de saber que não sabemos, reconhecer que já conhecemos, esquecer, lembrar, trazer pra luz, acolher o sofrimento com a mesma dedicação com que abraçamos nossos momentos luminosos e fundamentalmente, reconhecer que não precisamos ser menos que somos, encontrar nosso tamanho e viver em acordo. Nossas ações se tornam mais integradas e nessa integração mais força, que encarna um movimento total das possibilidades dos sistemas, mais cores, mais graças, mais formas, mais VIDA.
Não se trata de uma perspectiva metafÃsica da vida, de seguir uma doutrina, um guru, um caminho traçado que serve pra todos; muito pelo contrário, trata-se de uma incorporação de si mesmo, do que é mais próprio, mais Ãntimo. Reconhecer nossos sonhos e desejos, reconhecer que nossas fragilidades, limites, força e fortaleza são parte de uma mesma dinâmica orgânica.
Sermos a congruência de nossos gestos, de nossas palavras e de nossos afetos e de nossas energias, de nossos pensamentos. A tal ponto não há mais um mundo do além, outra dimensão, mas todas as dimensões são incluÃdas como companhias do quotidiano, apaziguados que estamos com nossos pensamentos e energias e acolhedores que somos de todas as experiências. Somos nossos laboratórios quotidianos e cuidamos para o que caldo das nossas alquimias não seja desperdiçado.
O que quero dizer afinal? Digo que não há crença que sustente uma mudança, mas há uma mudança que transforma nossas crenças em certezas encarnadas a partir do momento que SOMOS E FAZEMOS, tal qual queremos VER NO MUNDO – “VEMOS TAL COMO SOMOS.”
Digo também que transformar nossa vida em uma prática acolhendo todas as dimensões da vida é a verdadeira vida religiosa, a que religa todas as coisas, a verdadeira yoga, a união de todas as coisas, o desvelamento permanente de mundo, pois não há fórmulas prontas. A abertura ao mistério é permanente, uma certeza confortável, ampla e segura de que não há certezas além das nossas experiências.
Reforço então com o mesmo convite: colocar projetos de vida em primeiro plano, pra saber o que quer e fazer força pra ir nesta direção, para não deixar para amanhã, se tornar amigo Ãntimo do tempo. A essa atitude de agir de forma integral os antigos chamava de Dharma, de Tao, de Logos, de Anima Mundi, eu gosto de chamar de prática, esse exercÃcio quotidiano, anônimo, crescente e vivo que transforma o universo.