Relacionamento Integral – entre o pôr-do-sol e a onda

Estou há alguns dias tentando escrever algo sobre relacionamentos. De todas as linhas de desenvolvimento, as relações íntimas parecem ser as principais fontes de crise de desenvolvimento, e claro, se tornam a forma de crescimento mais acessível e talvez mais importante de todas. É assim pelo menos na minha experiência. Claro que crescimento não precisa ser apenas em tempo de crise, mas comumente é assim.

Há tantos aspectos a serem considerados, mas sendo um artigo para uma leitura breve, vou apenas citar alguns pontos tentando ser o mais abrangente num mapa que seja pelo menos útil.

Com milagre do encontro quero dizer a possibilidade do que penso e escrevo possa ser entendido por você que lê, que o que sinto possa ser transmitido e compreendido através desses fótons de idéias para teclado, para tela, para internet, para seus olhos até sua mente e mais além. Isso é um dos mistérios radicais do universo, tão misterioso é enfim o relacionamento.

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Eis alguns itens que quero citar. Quem sabe um dia eu possa escrever mais sobre cada um deles, mas a idéia é uma visão geral de uma visão integral que considero importantes especificamente sobre relacionamentos interpessoais. Embora uma leitura própria as idéias básicas são retiradas do modelo integral proposto por Ken Wiber.

1-      Desenvolver um amor grande.

2-      Encarar o relacionamento como um espaço de prática.

3-      Abrir o coração.

4-      Meditação.

5-      Ligação entre almas.

6-      Definir o que você quer.

7-      Níveis de desenvolvimento nos relacionamentos.

8-      Sexo integral e tantra.

9-      Lila os passatempos amorosos.

10-   Estágios na Dinâmica da espiral

11-   Estados

12-   Linhas

13-   Tipos

14-   Polaridade, gênero e a relação entre o masculino e feminino.

15-   A sombra do relacionamento.

16-   Paradoxos existenciais

17-   Sexo no toque e na cura.

18-   “Re-creação” “co-criação” e “procriação”

19-   Tocando a face de Deus

Desenvolver um amor grande e não um grande amor.

Em geral um grande amor se relaciona com a capacidade de transcender que o amor nos coloca. Mesmo reduzindo ao nível do objeto da condição humana, amor é no mínimo uma descarga de neurotransmissores que altera totalmente nossa percepção da realidade.  Ainda assim é importante distinguir o que vou chamar de amor grande do amor apaixonado.  Por amor grande é o que consegue incluir a perspectiva do outro quando avalia a realidade, consegue considerar o outro e suas necessidades, valores e expectativa.

Amor grande não diz vem, amor grande diz vai em direção ao seu destino. Amor grande sabe que ninguém é de ninguém, amor grande ilumina e reforça o lado luminoso do outro, reconhece, acolhe e fortalece seu brilho.

Quando cultivamos amor, o amor se espalha para todas a áreas da vida, cuidamos com amor, cozinhamos com amor, trabalhamos com amor, fazemos yoga com amor!

Grandes amores é o contrário, fazer do amor em si o objeto da relação. Amamos o nosso estado de enamoramento, como dependentes químicos. Amar o amor, o que nasce entre dois é importante, mas só amar o amor esquecendo-se de si e do outro é uma idolatria.

Encarar o relacionamento como um espaço de prática.

Em resumo, precisamos ser sinceros, quando dizer “eu te amo”, dizer também “eu não sei amar”. Quando danço forró eu gosto de dançar com quem já sabe dançar, claro, mas aprendi com alguém que teve paciência pra me ensinar os primeiros passos e como em tudo na vida estou sempre aprendendo novos passos, novos movimentos, cada par que se forma se harmoniza em um ritmo próprio.

Outra questão importante é que se envolver com uma pessoa mais experiente afetivamente quanto sexualmente é um ponto importante.

Abrir o coração

Às vezes o amor bate a nossa porta, mas estamos fechados. “Fechados para balanço”, isso é ótimo, mas manter o anahata chacra, manter os meridiamos em equilíbrio, principalmente os do coração e do mestre do coração (xin bao) também é importante. Às vezes precisamos de um inverno na vida afetiva, mas não deixar de perceber as flores quando a primavera chegar.

Meditação

Meditação na relação tem pelo menos 4 aspectos.

Desidentificar das paixões e das imagens que o outro nos provoca e se manter centrado observando o que emerge como manifestação do espírito.

Praticar tonglen como prática de compaixão infinita.

Perceber e ampliar a consciência dos níveis sutis da relação.

Dar uma gargalhada boa dessa tentativa de organizar um “relacionamento integral.”

Ligação entre almas

Mesmo para quem não acredita ou tem uma experiência relacionada a outras vidas e outras existências, em geral as pessoas não conseguem explicar os nexos estabelecidos entre as pessoas como apenas causais. Não temos razão para o amor. Com dizia Pascal, o amor está além da razão, mas não está contra.

Psicologicamente, por outro mistério da vida, tendemos a atrair pessoas que precisamos de alguma. Se esse sentido aparece, antes ou depois, se ele é um sentido em si ou se nós mesmos que damos o sentido. Fato é que, numa relação transformadora as coisas parecem ter um sentido, uma ligação, uma dimensão espiritual. Aliás, pra muitos, o mais próximo de espiritual que se pode chegar é na relação amorosa.

Definir o que você quer

Uma das coisas mais difíceis numa relação é estabelecer limites para as projeções. Definir as coisas. Mesmo quando percebemos que está “rolando alguma coisa”, se não definimos os limites e as possibilidades da relação isso em geral dá problemas. A frase clássica de qualquer novela é “você não pode me dar o que eu quero ou o que você me dá é muito pouco”.  Em geral isso tem muito pouco a ver com o outro e fala mais de nós mesmos. Embora os pluralistas relativistas achem que esse tipo de definição e regras são convencionais e que uma relação não é um contrato, que basta amar que tudo vai dar certo. Da perspectiva integral é importante deixar isso claro, mesmo que o limite, as definições e as expectativas mudem, elas precisam ser compactuadas, normalmente quebras de contrato acarretam sanções.

Níveis de desenvolvimento

Segundo Kohlberg , muito citado por Wilber em Sexo Ecologia e Espiritualidade, nós nos movemos entre três níveis de desenvolvimentos morais básicos: pré-convencional, convencional e pós-convencional.

No primeiro nível, (pré-convencional) os relacionamentos são marcados pelo desejo sexual perverso com múltiplos parceiros e um jogo de poder com fetiches e sado-masoquismo, valorizando a não-monogamia, principalmente com dominação masculina sobre o feminino.

O segundo nível (convencional) o relacionamento sexual é caracterizado pelo desejo de relação com um parceiro principal, normalmente um casamento convencional e convivência doméstica. Monogamia é considerada uma virtude e não-monogamia e outras relação consideradas adultério e traição.

O terceiro nível (pós-convencional) o relacionamento traduz um desejo de intimidade profunda e sexualidade bem vivenciada que pode ser encontrada com um ou mais parceiros em casamentos convencionais ou não convencionais. Monogamia e não-monogamia são consideradas e tem um papel importante no desenvolvimento sexual.

Sexo integral e tantra

Você pode ler mais sobre o que escrevi sobre tantra e arte do encontro e alquimia com o outro.

Em resumo, sexualidade envolve todo um movimento de energias ascendentes e descendentes pelo corpo físico e sutil, ascendendo pelos nadis e merididanos e despertando estados de consciência expandidos.

Lila o passatempo amoroso

O amor divino. Diferente do panteão grego em que os deuses são extremamente ciumentos e cheios de tramas e desafetos. A relação amorosa entre Krishna e Radha implica numa prática devocional e profundamente amorosa. Tanto homens como mulheres ao se colocarem nessa relação devocional com o divino podem trazer isso para sua vida, no contato com essas grandes imagens perceber que os jogos e brincadeiras do amor, tanto no relacionamento como no relacionamento com a vida, com o espírito é tudo uma grande Lila, uma grande brincadeira do viver.

Achar, perder, buscar, encontrar, perder novamente faz parte dessa dimensão lúdica do amor.

O amor é não só uma prática, mas também uma brincadeira na grande brincadeira ou passatempo da vida.

Dinâmica da espiral

Considerando os níveis na dinâmica da espiral, níveis de desenvolvimento de valores e cognitivo vertical.

Púrpura: valoriza o clã, a família, os ancestrais, casamentos arranjados, baseado na tradição da tribo, nos tabus.

Vermelhos: o macho busca satisfação enquanto a fêmea busca o status de acordo com o macho que escolheu. Egocêntrico, permite quebra de tabus e outras ordens familiares, atende apenas às suas necessidades.

Azul: permite o surgimento do amor, a relação se dá em nome de uma causa maior, “crescer a frutificar”, casamentos convencionais com regras de conduta bem estabelecidas. Reaparecem os tabus sexuais, sexo tem a função de procriação e a responsabilidade e o dever perante a família emergem.

Laranja: o individuo rompe com a tradição em busca do que faz com que se sinta bem. Certo e errado agora estão dentro de si e não mais impostos pela lei e ordem da religião ou do grupo. Relacionamentos nesse nível valorizam a expressão pessoal, o relacionamento dura e se atende às necessidades dos indivíduos. Relacionamentos homosexuais, grupais, fetiches e fantasias são aceitos como algo que possa estimular a relação.

Verde: Homens e mulheres e outras formas de parceria tem ênfase no igualitarismo e na sensibilidade para com os afetos e necessidades. Necessidade de uma conexão profunda entre os parceiros. O relacionamento tem ênfase no compartilhar de papéis, nas trocas entre masculino e feminino. Reprodução, satisfação sexual e status não são suficientes. Criatividade, espiritualidade, compartilhar emoções e construir a relação são partes centrais da vida.

Amarelo: Percebe e integra toda a espiral entendendo os vários níveis de desenvolvimento e incluindo o relacionamento em todos os seus aspectos. Grande capacidade de lidar com os paradoxos dos relacionamentos e também capacidade de se distanciar deles conectando com a dimensão observadora e contemplativa. A percepção das energias sutis e jogos de puxar e empurrar de agarrar e soltar e manipulações mesmo através das energias sutis também passam a ser harmonizadas. Impulsos de kundalini passam a ser uma experiência mais e mais freqüente e precisam também ser harmonizados em si e ao redor.

Turquesa: Sexo, amor, desejo, libido se expandem para todos os seres, consciência cósmica de que todas as relações são emanações do espírito. Relacionamento a partir de todos os chacras e corpos físico, sutil e causal. Sensível, aberto a todos os fluxos de energia interno e externo, sem identificação mais com os jogos verbais do ego. Se orienta pela posição no fluxo de energia do momento.

Estados

Podemos dizer que o amor é em si um estado alterado de consciência. E com certeza pode impulsionar o nosso crescimento, aprendemos muito mais fácil e nos abrimos muito mais quando experimentamos amor.

Aqui, vale lembrar a distinção básica de Eros e Ágape, um amor que sobe e nos eleva e outro que nos faz baixar e nos aproxima da diversidade. São expressões amorosas complementares e correspondem a estados de consciência também complementares.

Linhas

10 anos atrás quando surgiu o termo inteligência emocional, ficou claro que por mais inteligente e brilhante cognitivamente que alguém pudesse ser, não necessariamente, ele seria moralmente ou emocionalmente desenvolvido.

A idéia de uma linha de desenvolvimento no relacionamento é que de fato, relacionar-se é algo que se aprende e como tudo que se aprende fica melhor se existir um ambiente que facilite o aprendizado ou bons professores.

Assim, capacidades interpessoais também precisam ser desenvolvidas que incluem capacidades de empatia, comunicação, escuta, diálogo, flexibilidade, tolerância, tudo que se aprender para facilitar o contato, capacidades de consciência corporal, corporais, sensoriais também podem ser incluídas aqui.

Goleman destaca alguns aspectos importantes da inteligência emocional

1-      Habilidade de identificar seus próprios estados emocionais e entender a ligação entre emoções, pensamentos e ações.

2-      Capacidade de administrar os próprios estados emocionais – controlar emoções ou mudar estados de emoções destrutivas para estados mais adequados.

3-      Habilidade de ativar estados emocionais à vontade associados com o desejo e a capacidade de realização, ou seja, usar as emoções a seu favor.

4-      Capacidade de perceber e ser sensível à influência das emoções dos outros.

5-      Capacidade de entrar e sustentar relacionamentos interpessoais.

Tipos

Os tipos básicos são o masculino e feminino e entender essa dinâmica é fundamental num relacionamento. Leia o meu artigo sobre yin-yang masculino-femino.

Além disso, existem tipologias mais complexas com o eneagrama. Basicamente, temos estilos ou personalidades, independente do estado ou estágio que estivermos de desenvolvimento. Essa personalidade ou esse caráter pode estar mais ou menos encaixado na sua relação, mais ou menos fixado.

Uma boa forma de estudar tipos também são símbolos astrológicos.

De qualquer forma, tipologia é um estudo horizontal importante que afeta as relações.

Polaridade, gênero, masculino e feminino

Cada nível ou corpo, do grosseiro ao mais sutil, pode apresentar polaridades diferentes, assim a fluidez entre identificações masculino e feminino também. Em níveis mais profundos, podemos realizar um casamento interior descrito nas tradições alquímicas de todo o mundo. Essa hiero gamos, essa união de opostos psíquica aparece também na leitura de Jung relacionada aos estados transpessoais de consciência.

Sombra e relacionamento

Relacionamento é espaço privilegiado para emergência de conteúdo reprimido e sombrio. Quase sempre culpamos o outro por nossas misérias e a tarefa básica da terapia de qualquer tipo é o lembrar que só você é responsável por seu estado psíquico.

Mesmo assim, relacionamentos anteriores, outras relações simultâneas, relações familiares e os diversos papéis desenvolvidos numa relação podem ser expressão de conteúdos reprimidos.

O trabalho sobre a sombra, seja em auto-análise bem como com um terapeuta, é fundamental.

Paradoxos existenciais

Vida e morte

– sexo e relacionamentos aumentam minha alegria e vitalidade num corpo que vai inevitavelmente envelhecer e morrer

– assim no meu coração eu digo silenciosamente sim para a morte

– enquanto eu afirmo com alegria a vida com todo meu ser

Dedicação ao outro

– radicalmente não existe “outro”

– não existe ser separado do espírito que eu possa servir ou libertar

– assim eu me dedico a libertar e servir todos os seres

Compromisso e desapego

– eu me comprometo profundamente com o outro na relação e na prática

– eu me desapego profundamente de todos os resultados e expectativas

Sexo no toque e na cura.

Sexo, geralmente, faz bem à saúde!

Mais que isso, o espaço de intimidade absoluta é normalmente um espaço de cura tremenda, de confissões totais, de abertura infinita. Reich nos lembrou dessa integração da vida que pulsa em nós e da atividade sexual. Corpo, mente e espírito se curam numa aliança amorosa profunda, não há muito mais o que dizer.

“Re-creação” “co-criação” e “procriação”

Acho que essas palavras falam por si só.

Tocando a face de Deus.

Recentemente na tradição cristã, Maria Madalena foi trazida a cena. Felizmente! Embora ainda vivamos essa dicotomia entre religiões pagãs que celebram a vida e religiões transcendentais que celebram o espírito, eu confio no “enlaçador de mundos”, no pontífice, naquela que consegue fazer uma ponte entre o céu e a terra, nessa condição humana de desfrutar de todo o espectro da consciência. De estar ao mesmo tempo na terra e no céu. De ser invejado pelos anjos, de poder se libertar. Só num corpo humano nós temos todas essas possibilidades. E ser completamente humano é mergulhar nas profundidades e nas altitudes e todo o espectro da vida em todas as cores da espiral e todo o arco-íris dos chacras em todos os vasos maravilhosos.

Somos um nó de relações, somos o cuidado em forma humana, somos nascidos do outro para o completamente outro. O mundo já estava aqui quando eu me percebi aos dois ou três anos de idade, mas eu talvez estivesse antes do mundo existir e continuarei além dele. Somos assim, puro espírito, mergulhados nesse caldo de sensações bioquímicas, energéticas, espirituais.

Somos o mistério profundo e tremendo de nós mesmos. Quem sou Eu? Quem sou Eu? Quem sou Eu?

Assim, vemos em parte, mas um dia veremos face a face.

Que seja cada um que chega ao seu caminho, uma face do divino. E cada sorriso ou lágrima uma brincadeira de Deus.

No mais, boa viagem! Você chegou aqui sozinho e vai sair sozinho, mas pode aproveitar a caminhada em boas companhias.

ps. Em tempo, eu sei que fiquei devendo aprofundar esses tópicos, mas é só um blog, quero mesmo ouvir as opinões de vocês sobre o tema.

About The Author

Mario Fialho

Mário Fialho é pai do Miguel Luz, professor na multiversidade, clínica e escola em Niterói. Vive dedicado a escrever, ensinar e a cuidar de tudo que é bom, belo e verdadeiro com simplicidade. E agradece a sua visita.