Quando o cuidar é uma arte e o amor um arte-fício

Quando o cuidar é uma arte e o amor um arte-fício

Uma das coisas mais complexas na vida do terapeuta é conseguir separar as funções terapeuticas da outras funções do viver. Considerando, claro que a vida tem funções bem estabelecidas e que podemos discernir ou mesmo atuar, no palco na nossa existência nesses papeis. Mas tudo indica que sim.

E o papel de um terapeuta, ou melhor de um psicoterapeuta é refletir junto ao paciente a ciência de si. Do self. Nem que pra isso o amor ser apenas um arte-fício.

Hoje eu acordei às três da manhã sentindo as usuais correntes de energia pelo meu corpo depois de muito elaborar sentimentos e sofrimentos meus e os que estão ao “aredor” e registro aqui pra fazer uma sintese desse tema tão raro.

Porque o pepel de psicoterapeuta é raro. Porque o terapeuta é um anti-papel. Ele é o papel que reflete o ator, que o escuta, o escuta atentamento para além de todas as máscaras, de todas a aparências, é alguém que vê profundamente o outro. Quando isso não acontece e escutamos com uma escuta, contaminada de preconceitos, de opiniões de si, não podemos encontrar espaço suficiente, abrir espaço suficente para o outro poder se rever.

Assim, carregar o título de um psicólogo é realmente uma tarefa árdua. O psicólogo não é filho, não é pai, não é amigo, não é médico, não é amante, não é irmão, não é…, não é… não é… pra poder ser no teatro da vida, todas essas coisas para o sujeito da terapia, o cliente.

Mas, cuidando do mundo, e já sabemos que nascemos e somos essencialmente seres de cuidado, como não cuidar de quem amamos e queremos bem? Impossível.

Assim, preservar a posição da transferência é muito importante, é talvez a mais difícil e a mais necessária posição que precisamos, os terapeutas, aprender a cultivar porque á mais necessária posição no mundo, exatamente porque é tão difícil e tão rara.

Eu nunca fiquei com uma paciente minha, mas já fiquei com uma terapeuta certa vez. Claro que a terapia que ia muito bem acabou. E embora eu ache que na prática de acupunra isso é perfeitamente normal, cultivar a amizade, afetos e ainda assim ajudar o qi a circular livemte, na prática de psicoterapia isso não acontece.

Como eu disso, terapeuta não é amigo e não tem que ser. Se você imagina isso, ou se isso acontece, pronto, não temos mais terapia, temos conversa com amigo que também é muito bom, mas não tem o potencial a nos ajudar tanto.

Assim, escrevo pra marcar algumas coisas importante na prática clínica.

Se alguém precisa de terapia, não lhe ofereça amizade, mesmo que isso seja o que você quer.

Se um amigo precisa de terapia, lhe indique sempre alguém que você confia, se é que você conhece uma dessas pessoas raras capaz de ajudar os outros

Encaminhar um paciente pra outra pessoa é tão ou mais responsabilidade do que cuidar da pessoa em si. Eu já errei nesse caminho e não quero errar mais.

Por fim, meu último mandamento aos terapeutas.

O maior e mais verdadeira forma de amar é sempre a que se orienta ao outro e a maior forma de se orientar com o outro é na terapia. Então, amar verdadeiramente não é se encantar pelas paixões de eros, amar é não=estar lá para amizade, não estar lá para o amor, não estar lá….

Para que o outro possa vir ver verdadeiradamente a vida.

Hoje eu escutei assim:

E eu?

Dessas pessoas que amam e cuidam demais que não precisa de mais um amigo, precisa de terapeuta que infelizmente estava lá quando não precisava.

Escrito pra mim,

que te

amaria.

3 comentários em “Quando o cuidar é uma arte e o amor um arte-fício”

  1. Essa questão do envolvimento tem estado muito presentenos últimos dias.

    Há umas três semanas houve revezamento do meu estágio na fisioterapia hospitalar e assumi um paciente que, na época já estava internado havia mais de mês. Diagnosticado com neoplasia de cólon, esperava por uma cirurgia.
    Faltou anestesista, faltou albumina no seu sangue, faltou sala, teve greve e ele esperava. E piorava. Foi num decrescente assombroso, em parte pela sua condiçao clínica, em parte pelo fato de estar ali hospitalazido/desvitaliza(n)do. Mas, principalmente pela sua atitude de desistência. Recusava-se, evitava, “matava” a terapia.
    Eis então que surge a Questão 1: Eu, no papel de fisioterapeuta (e não psicoerapeuta) devo impedir ou respeitar essa postura/decisão de suicídio? Muuuuito difícil. Era ali o Seu Fulano e não o paciente do 18-2… Enfim, acho que me saí até bem. Apontava simplesmnete o que estava acontece no seu corpo diante dele – realmente já não mais “(n)ele” – e se ele persisitisse, respeitava. Se não, exercício, respiração, abre o olho e olha pra mim, olha pro teu pé… Beleza…
    Pois então que ontem saiu a cirurgia tão esperada. Eu pedi pra acompanhar e me foi autorizado. Seu Fulaninho (claro, pros demais na sala, “o do 18-2” ou quando muito “aquele que tá há dois meses internado e de quem eu não entendo uma palavra do que fala [risos]”) foi aberto e o tumor exposto: uma massa disforme do tamanho de uma bola de handebol. Procedimento realizado: tira um pedaço, manda pra biópsia e guarda o tumor de volta dentro da barriga do Seu Fulando. Caracoles. Esse momento se repete na minha frente. A constatação de que a massa “Não quer sair”, seguida de um comentário descrente “Fazer alguma terapia e ver se regride” e antes de que tivesse entendido isso, já a barriga dele sendo fechada com aquilo dentro.
    Cenas dos próximos capítulos: a biópsia leva uns dez a quinze dias (prazo normal) pra sair e uma terapia é escolhida de acordo com o diagnóstico. Reopera ou transfere pro instituto de oncologia (sendo otimista, mais umas duas semanas pra vagar um leito ou haverem condiçoes de nova cirurgia). Questão 2: Onde está a coragem em devolver o troço pra barriga do sujeito, simplesmente porque é isso que “deve” ser feito? Como aceitar esses trâmites ultra-catracalizados?

    Questão 3: Aceitar minha parcela de mediocridade e compactuação nisso, na medida em que eu não participo da luta por um SUS minimamente digno e assito de camarote o descaso. Mesmo sendo ele, pra mim, o Seu Fulano (com quem criei vínculo e que, não por isso) merece um tratamento melhor.

    Meu avô tem um bordão pra isso: “Só tem tan-tan.”

    1. Oi paula,
      Sua questão envolve tantos temas que não sei por onde começar. Mas começo pela sabedoria do seu avô: – todos “tan-tan”.
      Vivemos doentes, doentes do encontro, de saberes práticos distantes da clínica, distantes do outros e nosso sistema de saúde é muitas vezes iatrogênico. É um fato, cada vez mais temos medo dos profissionais médicos que deveriam ser nossos aliados, aliados da nossa saúde, da nossa vida, do sopro que nos atravessa.
      Foi aprovada a regulamentação dos cuidados paliativos e acho que estamos progredindo no campo da saúde nos últimos tempos. Infelizmente os avanços contra ato médico, contra aquilo outro não inclui nada além de fatias de mercado. Uma lástima que não conseguimos ainda estar num estado de consciência tal que realmente coloque o paciente e a SAÚDE no palco das discussões do SUS.
      Isso leva tempo, estamos evoluindo, pode não parecer, mas estamos sim.
      O que podemos então fazer, sendo breve, pois estamos num blog e suas questões são realmente muito importantes.
      Como reumanizar nossas relações?
      Se vc deve convocar a vida do paciente que pensar em morrer, que deseja acabar com todo o sofrimento. SIM, SIM, SEMPRE!
      Quantos pacientes eu já acompanhei que estavam moribundos e hoje prometem décadas de vitalidade e algria pra surpresa e gratidão de todos os familiares.
      O que fazer com o TUMOR?
      Esse é um dos principaos temas da medicina hoje, complexa questão da oncologia, complexa milionária e cara questão.
      Vou deixar apenas algumas reflexões:
      – GRITAR AO VER UM TUMOR GICANTE SENDO DEOLVIDO AO CORPO ABERTO DO PACIENTE!!!
      – saber que algumas vezes, mutas vezes, você vai gritar, vai fazer tudo que pode, vai dar mais do que tem e mesmo assim não vai adiantar. A arte de cuidar das pessoas é assim, uma arte, as coisas não dão sempre certo, mesmo quando fazemos tudo certo.
      Grato pela suas reflexões e ficarei feliz se quiser continuar a falar sobre isso.

  2. É, caro Mário. Ouindo de você esse SIM, SEMPRE faz mais sentido do que das tantas outras vezes com tantas outras pessoas com quem conversei sobre isso. je sais pas pourquoi. E pensando agora, essa dúvida não é outra coisa que não fruto do despreparo nosso. Revisitei o texto e, poxa! realmente o âmago desse despreparo é mesmo minha inabilidade em me suprimir pra permitir ao seu fulaninho ser. Não que eu não acredite, não que eu não tente! Mas ainda me falta tijolo nessa construção de trajeto, dinamicamente equilibrado, entre o pensar e pesar (da minha mão em contato com o corpo do outro). E é uma busca meio solitária, porque infelizmente o que nos é ensinado não vai nessa direção. Talvez essa minha momentânea descrença com relação à fisioterapia tenha a ver com a falta de um mestre, de alguém por perto pra ver atuando e a quem admirar… e já um gancho pro post atual: que bela sacada! Estão de fato todos lá brigando vaidosamente pela “sua” bandeira. Seria cômico não fosse trágico. Seria trágico não pudesse eu ver de outra forma.
    Obrigada pelo espaço, pela acolhida, pela troca, pela esperança.

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