pós-graduação de acupuntura não – precisamos de graduação de acupuntura

Sobre cursos e formação de acupuntura

A reflexão sobre cursos de acupuntura e sobre a formação é vasta porque somos herdeiros no estudo da acupuntura de milhares de anos de tradição. Só as artes plasticas talvez, encontremos uma validade para a arte rupestre em diálogo com a arte moderna, mesmo assim, fica muito difícil, para os entendedores da arte, ver os tantos caminhos de expressão artísticas dos povos ao longo da história.

Tal como um rio fecundo e vasto, a acupuntura tem muitos ramos, nasce de muitas fontes que se reunem, se separam e correm todos para o grande oceano das práticas terapeuticas, simplesmente, as formas de cuidado.

Assim, tento em mente que acupuntura deveriam ser consideradas as “acupunturas” como as diversas técnicas de agulha e moxa transmitidas ao longo da história do oriente e hoje, já falamos de uma história da acupuntura no ocidente, quiça no Brasil.

Se existem então tantas acupunturas como formar novos acupunturistas perante a vastidão de um território ainda completamente inexplorado pelas línguas ocidentais. Conderando que um número bem pequeno dos textos e registros sobre acupuntura traduzidos para linguas ocidentais. E mesmo os pouquíssimos ocidentais que se propuseram a aprender chinês, aprenderam a lingua moderna que é completamente diferente da línguagem clássica em que os textos foram escritos.

Posto isso, a vastidão de um saber que ao mesmo tempo é simples e imediato, intuitivo e prático, perante a pluralidade de escolas e epistemes que são muitas e na maioria das vezes contraditórias. Sim, acupuntura, como reflexo do pensamento chinês foi registrada em uma forma de pensar que não se preocupava com os paradoxos, com as contradições e com a generalizações. Assim, uma coisa pode ser, não ser, ser algumas vezes, depender da estação, da qualidade do praticante, da inclinação da agulha, do número de agulhas, da frequência enfim, de uma enormidade de variáveis que a vida e a dinâmica do saberes que a iluminam não fazem caber de forma simples. A base do pensamento chinês está na mutação, na transformação, na complemetariedade dos paradoxos, no fluxo do devir de cada forma que os mil seres toma no caminho.

Então para indagar sobre os cursos devemos indagar como ensinar acupuntura?

Essa resposta tem milhares de anos e parece muito simples. Torne-se discipulo de um mestre. A transmissão da medicina chinesa é feita a milhares de anos de forma familiar e extremamente fechada, principalmente na china. O conhecimento sempre foi elemento de poder e visava a sobrevivência da família. Tal como os artesãos medievais e suas guildas, os artesãos das artes de curar também degladiavam-se pelas técnicas mais acuradas e escondiam apenas para os mais fieis os seus segredos. Infelismente é assim, em parte, até hoje, faz parte da chamada “inveja” chinesa, esconder pra si o conhecimento. Por isso, encontrar um mestre não é sorte de todos.

Felizmente essa não é a única forma de aprender acupuntura, desde a abertura ao ocidente a padronização da MTC Medicina Tradicional Chinesa, muitos cursos receberam alunos ocidentais que seguem atualizando o conhecimento e o modo de produção científico dos saberes fez com a acupuntura se tornasse extremamente popular em praticamente todas as grandes cidades do mundo. Assim, podemos aprender essa acupuntura “padrão”, só que como todo padrão ele serve como forma do mínimo, e quem escolhe o que entrou ou o que ficou de fora desse “padrão”. Infelismente foram os burocratas do “capitalismo de estado chinês” (comunismo). Assim, em textos publicados na china lemos coisas como “yin e yang são reflexos do pensamento dialético primitivo”. Essa busca de “modernizar” a acupuntura fez com que sua visão moderna excluísse propositalmente todo o sentido espiritual e ético que acompanhavam a prática de milhares de anos.

Assim, a acupuntura que recebemos no brasil vem de traduções de terceira mão. Do chinês clássico para o chinês moderno materialista-histórico, dessa forma ao inglês e do inglês para o português. Não preciso dizer que traduzir noções do pensamento oriental ao ocidental é uma terafa de especilistas cinólogos, infelizmente nem as traduções do inglês aos português podemos confiar. A situação é grave.

Então se mestres não estão disponíveis, se a tradução que nos chega é mais do que uma traição é uma leitura totalmente ideologicamente comprometida. Como podemos ensinar e antes aprender acupuntura?

Será em cursos de de um ano, em cursos de dois anos, em cursos de três anos?

Não, como arte acupuntura nasce de uma práxis, um saber-fazer, um fazer-saber, uma relação direta entre o a prática clínica, o paciente e o terapeuta em diálogo com as práticas ancestrais.

E o que é preciso aos alunos, basta inteligência?

É verdade que acupuntura demanda memória, é muita informação que precisa ser levada em consideração, mas além da capacidade de abstrair tratamentos, padrões, fórmulas e aplicá-la ao “caso concreto”. Precisamos de tantas outras inteligências, como inteligência cinestésica, capaz de ter sinsibilidade para perceber os pontos, os pulsos na ponta dos dedos, de manipular as agulhas de forma adequada, de perceber as sutilezas dos pontos, dos canais. Pouco importa o conhecimento de anatomia, o corpo energético que a acupuntura trata é um corpo vivo, sempre interagindo e reagindo imediatamente ao tratamento, não é um corpo morto (redundância) a ser dissecado.

Além da sensibildiade nas “mãos” é preciso empatia, capacidade de compaixão pelos seres vivos e os nossos descaminhos. Fazer retornar ao caminho, retificar o qi, retificar o espírito com a verdade são todas tarefas que precisamos de uma intuição muito própria. Uma intuição e uma capacidade de “ver” que está presente ao longo de toda a tradição, não são mitos, mas são experiências que os mais dedicados conseguem perceber. Basta lembrar que grandes mestres de acupuntura foram e são cegos. O que ilustra o quanto precisamos aprender a desenvolver outros sentidos para resgatar os sentidos da saúde e da cura.

Assim, as virtudes do caminho são tantas e todas necessárias para uma prática, ou melhor para um cultivo.

Então, como aprender acupuntura?

As minhas recomendações depois de uma década estudando são simples. Primeiro manter o coração sempre pronto a aprender, nunca achar que o que aprendeu com seu professor é a verdade absoluta, isso nem sequer faz parte do pensamento chinês. Para o oriental, tudo “Ke yi” pode ser, pode ser por aqui, por alí, por lá, todos são caminhos abertos nas raízes e nos ramos das tradições.

Segundo, manter, a abertura para enteder que o pensamento ocidental embora padecendo da cegueira da monovisão científica tem tantas outras opções de diálogo de ensino e aprendizagem que não passam por essa forma de “produção de verdades”

Terceiro, praticar o que aprendeu antes de acumular mais técnicas do que você consegue digerir. Tantos e tantos mestres usam um, dois, ou três pontos nos seus tratamentos, praticar qi gong, tai chi chuan pode certamente ser um melhor investimento que fazer novos cursos como “novas técnicas”.

Quarto: Cuidado com os que dizem “vem por aqui” os religiosos dos seus saberes, segue o seu caminho buscando com coração aberto e generosidade, seus pacientes serão sempre os seus melhores professores.

E os cursos?

Procure os cursos não como cursos fechados, mas como cursos-caminhos, como um curso do rio, escolha um vasto suficiente para te levar a encontrar com tantos outros, para que não corra o risco de ficar isolado em solilóquio, falando pra si mesmo enquanto o mundo segue e novos e velhos caminhos se encontram.

E os cetificados?

Acupuntura hoje é livre, não demanda certifiado para ser praticada, preocupe-se com isso na hora certa, a sua segurança vai vir da confiança que advem da prática e dos seus pacientes. Se e quando a acupuntura for regulamentada, procure vários e estude pela vida inteira. Acupuntura é uma arte, tal como aprender um instrumento musical, dominar uma língua a ponto de escrever poesias e entender suas metáforas ou pintar um quadro.

Cada ponto, uma pincelada.

Sem retoques.

Mário Fialho

Acupunturista e professor de acupuntura no Instituto Multiversidade.com

Formado em Direito na UERJ, Psicologia na UFF

Formação Holística Integral – UNIPAZ

10 comentários em “pós-graduação de acupuntura não – precisamos de graduação de acupuntura”

  1. Pingback: Zhen Jiu » Um Dos Melhores Textos Que Li Nos Últimos Tempos…

  2. Mário, este foi um dos melhores textos que li nos últimos tempos. Concordo com o que você disse a respeito de como devemos aprender acupuntura.
    A propósito, deixei um link para a sua publicação no meu blog.

    1. Olá Alessandro,

      Muita gentileza nas suas palavras, seu blog tem realizado um trabalho incrível nos útlimos anos, eu acompanho.

      Fico feliz que tenha gostado e ajudado a divulgar, vamos estreitar esses laços.

  3. Fiz uma pós em que os “mestres” apesar de pagos para ensinar, seguravam o conhecimento. Muitos desistiram da pós e meus mestres acabaram sendo meus livros clássicos de acupuntura, o gosto por compreender esta “arte” e até fóruns na internet. Quanto a prática acho outro mestre, pois a MTC é uma ciência extremamente empírica.

    Sou a favor de uma faculdade de Terapias Complementares em que a acupuntura seja uma delas e que o curso seja regulamentado de fato.

    1. Olá Elber,

      Eu também sou, acho que a acupuntura chinesa é perfeitamente compatível com outras tantas terapias vitalistas como homeopatia, florais e tantas práticas mais que podem ser compreendidas à luz dos pressupostos de fisiologia energética também. Vide a fitoterapia brasileira que tem sido usada com base na MTC, o que é ótimo também. Bem, tamos juntos!

  4. Sem discordar que a prática é quem faz o acupunturista e que e a clínica é soberana (aprende-se com os pacientes e com a intenção de os auxiliar) , para mim, que tento entender a acupuntura desde 1986, a melhor forma de entendimento para um ocidental é o caminho da compreensão dos outros povos (a antropologia, excluindo sua incial fase etnocêntrica e preconceituosa) mais especificamente a etnomedicina:

    O SISTEMA ETNOMÉDICO CHINÊS

    Abrangendo a unidade da medicina asiática (ou multiplicidade da medicina chinesa) e o conflito Medicina tradicional X Ciência moderna

    A especificidade da medicina tradicional chinesa não torna essa prática essencialmente distinta de outros sistemas etno – médicos, exceto, porém, por sua notável semelhança com a medicina hipocrática – a quem se atribui a origem da moderna medicina cosmopolita. O estudo de sua história revela seu rompimento com algumas tradições “mágicas” e incorporação do conhecimento empírico proveniente de cuidadosas observações que se consolidaram no que vem sendo chamado de paradigma do Yin – Yang e dos Cinco Elementos, descrito em livros clássicos, para os orientais, a exemplo do livro do Imperador Amarelo, documentos etnológicos brutos para o ocidental que utiliza as ferramentas conceituais da antropologia estrutural na proposição de Levi Strauss.

    Minha proposição é analisar as características míticas e empíricas do sistema etnomédico chinês na busca de identificar a lógica de construção do raciocínio clínico inerente a essa prática cultural analisando simultaneamente as atuais perspectivas de integração da acupuntura ao sistema de saúde com suas diversas profissões e saberes e especificidades de utilização profissional.

    No mais o exercício da sensibilidade e como você me ensinou o “Ke yi” . Naturalmente temos que pensar qual a melhor forma de controle do exercício profissional, que não é o “ato médico” talvez os esquemas de certificação internacional tipo http://www.nccaom.org/.

    1. Oi Paulo Pedro,

      Que ótimo comentário, agradeço. Tentarei te responder à altura. Bom, eu tenho um problema com o estruturalismo em geral, seja na antropologia seja na clínica na interface Lacaniana. Acho entretanto que o trabalho etnográfico é muito importante e tem surgido muitas publicações boas de estudantes chino-americanos que revisitam a china para investigar as práticas. Com relação a transmissão da medicina chinesa tem um ótimo livro da Elizabeth Hsu justamente com esse nome “the transmission of chinese medicine”.

      Mas, com relação ao relativismo necessário da etnomedicina e ter uma ótima metodologia na maior parte das vezes, ainda acho que as noções de Racionalidade Médica weberiana tem dado ótimos frutos no entendimento de categorias orientais e talvez seja uma aliança importante no seu caminho. Procure aí, racionalidade médica e medicina chinesa e vai encontrar muita coisa boa. Ainda na medicina a literatura de medicina baseada em evidência e integrative medicine também tem avançado muito e tem muitos frutos para nos oferecer. Eu, como método, prefiro a abordagem fenomenológica, fundada na experiência clínica, acho que essa abordagem é a que nos oferece a possibilidade de investigar sobre a essência da experiência clínica com acupuntura em uma mão dupla, tanto do terapeuta quando do paciente do que ficar na leitura de documentos apenas. Visto que taoístas, por exemplo, nunca foram dados a registrar muitas coisas.

      Bom saber do seu trabalho, visitei seu blog e retornarei pra ler com calma, parabéns.

  5. Legal que tenha gostado, de alguma forma compartilhamos de um mesmo paradigma, ou seja um modelo de ensino-aprendizagem da acupuntura que não se reduz à fisiologia conhecida e adotada no sistema médico hegemônico.

    Sei que o estruturalismo tem suas limitações, mas o livro Pensamento selvagem de Levi-Strauss foi um dos mas duros golpes no etnocentrismo, com suas claras explicações sobre a equivalência do conhecimento mítico ao científico. (bom livro!)

    Sobre as racionalidades médicas tinha visto o trabalho de Madel Luz, pena que ela se limitou aqueles 3 seminários (se bem que é uma linha de pesquisa da UERJ). Ainda não tive o prazer de conhecer os textos de Weber about mas concordo que somente essa visão sobre a natureza das racionalidades esclarece as nítidas distinções entre os diversos tipos de sistemas etnomédicos, há evidentes distinções e especialidades não necessariamente superioridades (ganha-se num plano de explicações/ eficiência e perde-se em outro).

    Sem a pretensão de estabelecer uma verdade absoluta que traduza com exatidão a realidade, apreendida dogmáticamente, sempre serão aproximações e como não “querem” (podem) ver os estruturalistas, são processos convenções de grupos sociais (paradigmas).

    Mudando um pouco de assunto:

    Você tem uma posição definida quanto a mudança do curso de psicologia para incluir a prescrição de psicofármacos?

    A liberação da acupuntura para psicólogos e outras profissões sem poder de prescrições de fármacos, ao meu ver vai exigir a separação da acupuntura da fitoterapia.

    A não ser que se abram exceções específicas para grupos e/ou espécies determinadas de de psicofármacos no caso da psicologia por exemplo os sedativos (no mínimo) e alguns outros mais específicos. No sistema atual psicólogos não podem prescrever nem a nicotina dos casos da terapia de reposição, nem mesmo o café descafeinado, ao lidar com o cafeinismo ou tabagismo por exemplo (sabe-se das vantagens da combinação dessas técnicas com acupuntura).

    Ver:

    http://www.psychologytoday.com/blog/the-new-psychiatry/201003/psychologists-and-prescription-privileges-conversation-part-one

    ou

    http://psychcentral.com/archives/n071498.htm

    Naturalmente, poder de prescrição, após reforma de grade curricular

    Pelo que tenho visto o modelo ideal de saúde é o dos médicos de pés descalços – uma formação básica e generalizada complementada por as quase 60 especializações da práticas médica incluindo também a odontologia e as consideradas paramédicas como especializações

    Tenho refletido sobre esses temas (curandeirismo, profissionais de saúde, médicos de pés descalços, acupuntura médica etc.) na wikipedia,

    Ver:

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Profissionais_de_sa%C3%BAde

    http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9dicos_de_P%C3%A9s_Descal%C3%A7os

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Curandeirismo

    Apesar dos wikipedistas não gostarem da expressão é um legítimo forum popular para tais conflitos e aberta à colaborações, identificadas ou semi-anônimas (sempre fica o registro de quem criou, editou / modificou verbetes), somente um pouco mais livre do que as discussões acadêmicas.

    é só , ou participar da , há também o wikipédia livros:

    Seja bem vindo ao”Acupuntura hoje”
    http://pt.wikibooks.org/wiki/Acupuntura_hoje

    Contribuições como a sua são bem vindas nessa era de incertezas.

  6. Pingback: Por que médicos não poderiam (enquanto médicos) praticar acupuntura? | MINHA PRÁTICA DE VIDA INTEGRAL

Deixe um comentário para mariofialho Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima