Hannah Arendt e Confúcio – quando a filosofia da ação se encontra com a não-ação

Recentemente reli o livro que Hannah Arendt escreveu em 1958 sobre a “condição humana”. Embora o texto não trate da condição humana tal como Heidegger seu contemporâneo investigou, há muito da sua influencia nos primeiros capítulos.

No início do livro H. Arendt realmente nos causa arrepios, recolocar o homem na sua diferença, na sua multiplicidade na sua condição extravagante, para além de todo totalitarismo, a capacidade infinita de sentidos, em nossas palavras em nossos encontros.

O livro avança sobre muitos temas da sociologia política embora não acrescente muito além das reflexões marxistas. O tema central do livro é distinguir “labor”, “work” e “active action”. Nessa distinção nem sempre presente no pensamento econômico e mesmo em Marx ela caminha em direção a várias utopias: A utopia da liberação do homem do labor físico, a liberação do homem para o trabalho.

Adorei , por exemplo, que “em nossa sociedade, talvez o único que trabalhe, seja o artista, não tendo utilidade em si o sua atividade.”  Inspirador e alguns momentos evolutivos em que ela coloca a história como a capacidade da vida de liberar suas energias através do labor aos níveis mais ativos de ação.

Mas, por mais cliché que possa parecer, não é muito mais que uma nota de rodapé de Platão e Aristóteles. Ela mesma, situa e convoca os gregos em muitos e brilhantes momentos e chega a afirmar que todo o pensamento político estava presente lá nos gregos. Inclusive esse ideal, essas virtudes, essa busca de aprimoramento pessoal, dos melhores homens que seriam eles mesmos os filósofos. Tudo bem que isso seja assim, nada mais justo. Mas existe uma questão central que me incomoda ao longo da leitura, além da sensação de já ter “ouvido tudo isso antes”.  Realmente eu já lera o livro, mas mais do que isso, quando um autor na nossa tradição que costumamos chamar de filos-sofia, se aproxima do conhecimento, ele precisa de certa forma rever todos os que já trouxeram consigo essas questões. Assim, há muito de Marx, Weber, um ou outro socialista utópico, mas principalmente, muito de Platão. A questão da condição humana associada ao trabalho, a arte, a técnica a era da técnica como Heidegger gosta de chamar é já cansativa. Porque passamos a buscar uma ação propriamente humana e desumanizamos a nossa simplicidade e a possibilidade de estar próximo da sabedoria, de um saber perene, que permanece.

O livro é vasto, lindas reflexões sobre o público e privado que prenunciam a pós-modernidade e talvez a era das hiper-mídias no sentido de que se tornaram mesmo um movimento histórico que já podia ser sentido em 1958.

Mas e Confúcio? Sim, quero falar também da sabedoria chinesa. Porque diferente dessa nossa tradição de sujeito- objeto e sua relação com eles,  existe um pensamento que ao invés da técnica buscou a ação pela não-ação. A ação tão precisa e preciosa que está imediatamente diante de nós que não precisa buscar nada. O ideal de ação da sabedoria é justamente não-agir, não buscar, não desejar, não esforçar.

Diferente de nós, gregos que somos, o pensamento chinês repudiou a filosofia, por isso se aproxima do que chamamos de sabedoria,  sofia. Em Platão, Sócrates ensina que não podemos ou não somos capazes de conhecer a sofia, mas de no máximo nos aproximarmos dela. Por isso o pensamento buscou a verdade em contraposição a falcidade, ou terceiro excluído da lógica. No oriente não temos isso, o trabalho, a técnica o labor do homem se integram no ideal não no pensamento mas na autenticidade radicalmente simples.

O mistério de se tornar quem se é.

Embora em Arendt tenhamos influências cristãs bem bonitas em passagens onde ela afirma:

O perdão é a chave para ação e para a liberdade.

Arendt se aproxima de Confúcio também quando fala dos hobbies como os verdadeiros trabalhos. Em Confúcio aprendemos:

Escolha um trabalho que você ama e você não terá que trabalhar um único dia de sua vida.

Considero que nesses momentos, Arendt aponta para o que a china chamou de Tao, para o caminho que é uma palavra impulso, uma palavra que deriva todos os outros sentidos, como o logos original.

Assim, o conhecimento de Arendt passa com o tempo, fica desatualizado por mais que feministas e leituras pós-modernas possam resgatar suas ideias. O alento que sobra em suas palavras realmente nos ilumina quando apaixonada e utópica, quando aponta que o ser do homem é transcendente em todas as suas dimensões. Essa é a grande economia,(oikos-nomos) a grade ordem da casa, a grade regra de nos colocar em casa.

Mas ainda assim, na china, não há transcendência, o caminho, o Tao, abre-se em sentido como uma pré-disposição ao infinito da arte em todas as suas práticas, inclusive a arte da política e do estado.

Outro dia, num lindo nascer do dia eu fiquei sem-pensar como é lindo.

Passarinhos cantam

Luz do sol

Galhos e nuvens se movem

About The Author

Mario Fialho

Mário Fialho é pai do Miguel Luz, professor na multiversidade, clínica e escola em Niterói. Vive dedicado a escrever, ensinar e a cuidar de tudo que é bom, belo e verdadeiro com simplicidade. E agradece a sua visita.